O Sinait denunciou as mudanças que o governo pretende fazer nos conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, durante a audiência pública promovida na Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho – CDHET da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, nesta segunda-feira, 16 de outubro, no Senado.
A denúncia foi feita pelo Auditor-Fiscal do Trabalho e integrante do Grupo de Trabalho - GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait, Renato Bignami. De acordo com o Auditor-Fiscal, “a Portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, publicada nesta segunda-feira, 16, no Diário Oficial da União, tem uma concepção ultrapassada sobre o combate ao trabalho escravo, e visa atender interesses políticos e empresariais para enfraquecer o combate a este crime”, informou.
Ele pediu ao senador Paulo Paim (PT/RS), que conduzia a audiência, que a Subcomissão tome providências para combater este equívoco.
De imediato, o senador informou que vai apresentar uma Moção de Repúdio à publicação da portaria, e um Projeto de Decreto Legislativo para sustar a portaria. Ele também informou que a CDHET vai convocar o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, para prestar esclarecimentos sobre o assunto.
“Esta portaria, na verdade, muda todo o conceito de trabalho escravo e nós não concordamos com isso”, disse Paim. Ele lembrou que como relator do projeto que em tese regulamenta a PEC do trabalho escravo, seu relatório será pela proibição do trabalho escravo. E completou: “Não tem que regulamentar mais o trabalho escravo. Temos é que dizer que o trabalho escravo está proibido”.
Estudos
Durante a audiência Renato Bignami apresentou dois estudos internacionais sobre as formas inaceitáveis de trabalho, como trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva e condições degradantes. Os estudos apontam que essas formas de trabalho afetam a dignidade, a saúde, a segurança e a estabilidade econômica dos trabalhadores e da sociedade, por exaurir o trabalho humano.
O trabalho intermitente, por exemplo, afeta a segurança econômica e social não apenas do trabalhador e sua família, mas de toda a sociedade, por não proporcionar uma renda suficientemente elevada para satisfazer as necessidades mais básicas e elementares da pessoa do trabalhador promovendo a legalização do “bico”.
Na ocasião, ele apresentou slides com fotografias de várias cidades onde a fiscalização atuou, mostrando que os Auditores-Fiscais do Trabalho se deparam diariamente com o trabalho degradante/escravo em áreas críticas, como a indústria têxtil e a construção civil, entre outras. As fotografias revelam as condições precárias a que os trabalhadores são submetidos, a exemplo do trabalho insalubre e o consumo de alimentos podres.
Apoio à Inspeção do Trabalho
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho – TST, Lélio Bentes Corrêa, e o procurador do Trabalho Ronaldo José Lira fizeram uma defesa contunde da Inspeção do Trabalho durante a audiência.
O ministro cobrou uma Inspeção do Trabalho mais autônoma para se avançar no combate aos trabalhos escravo e infantil. “A fiscalização não pode ficar à mercê de elementos de natureza política e de conjunturas. A inspeção tem que ser um compromisso permanente, determinado e irreversível com a proteção da cidadania no ambiente de trabalho”, reivindicou, ressaltando que as instituições que combatem este crime têm que estar bem aparelhadas.
Para o procurador Ronaldo Lira, “o Brasil tem que fortalecer os órgãos de fiscalização e contar com a sensibilização da sociedade para combater os trabalhos escravo e infantil”. Ele também ressaltou a importância do ensino técnico e profissional para promover a inclusão social das crianças e de seus familiares para evitar a exploração.
A vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra, a juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto, que aprofundou o debate sobre o trabalho artístico infantil, também pediu mais reforço para a Inspeção do Trabalho. Segundo a magistrada, as leis precisam ser revistas para ajudar o trabalho da fiscalização, especialmente no combate ao trabalho escravo e infantil.
Mais políticas públicas para crianças e adolescentes
A Auditora-Fiscal do Trabalho Katleem Marla Pires de Lima, integrante do GT sobre Reforma Trabalhista do Sinait, também participou da audiência representando a entidade. A audiência tratou das "Formas inaceitáveis de trabalho (trabalho escravo, trabalho infantil, trabalho indigno, trabalho intermitente e outras)”.
Ela cobrou a implantação de políticas públicas de inclusão para crianças, adolescentes e seus familiares. Assim como a Auditora-Fiscal, os demais palestrantes da audiência foram unânimes em afirmar que faltam políticas de inclusão social para combater os trabalhos escravo e infantil.
Katleen disse que o trabalho oferecido à criança é o trabalho que o adulto não quer. E que a remuneração às crianças é tratada como uma ajuda pelo explorador. “O explorador acha que é um benefício que ele está fazendo para a criança não se tornar um delinquente. Essa ‘ajuda’ mostra o pouco apreço que a família e a sociedade brasileira têm pela criança”, apontou.
Para a Auditora-Fiscal o Brasil falha nas políticas de promoção humana, desprezando as famílias brasileiras. Ela relatou que famílias procuram, equivocadamente, os Auditores-Fiscais do Trabalho para pedirem autorização para seus filhos trabalharem, porque não têm onde deixá-los. “Isso revela a ausência do Estado, que deveria participar com políticas de assistência social, de inclusão e educação”.
Katleen entende que os Auditores-Fiscais do Trabalho devem acolher com seriedade o pedido dessas famílias para que elas possam ter a proteção que merecem, como o acesso à educação, profissionalização, esporte e ao lazer, ou seja, não basta acabar com o trabalho infantil. É preciso garantir o bem-estar individual à criança e ao adolescente.
Muitos pais declaram que os filhos não estudam porque não conseguem aprender, segundo Katleen. “Isso traduz a falência do ensino brasileiro. Se o indivíduo se sente incapaz de aprender, como ele se sente dentro do ambiente de trabalho? Se ele tem a crença que é incapaz de aprender, isso deixa a porta aberta para a exploração”, afirmou.
Ela ressaltou que o trabalho infantil ainda envolve outros tipos de violência, como a exploração sexual, especialmente entre as crianças vítimas do trabalho doméstico.
A Auditora-Fiscal ainda pediu ao senador Paim que não deixe o Congresso Nacional mexer na lei da aprendizagem, que segundo ela é a única política que existe para o adolescente.
Ações da SIT
A chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil da Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT, Marinalva Cardoso Dantas, disse que a Secretaria está intensificando as fiscalizações no combate ao trabalho infantil. Atualmente, os Auditores-Fiscais do Trabalho têm se deparado com o aumento da entrada de crianças estrangeiras no Brasil, como venezuelanas, haitianas, peruanas e bolivianas, que fogem da situação de miséria desses países com suas famílias e acabam sendo exploraras aqui no Brasil.
Ela citou como exemplo a fiscalização feita na semana passada no lixão de Boa Vista, em Roraima, quando os Auditores-Fiscais flagraram crianças disputando comida com os urubus.
“Encontramos crianças que falam até três línguas, mas não sabem ler”, disse Marinalva Dantas. Segundo ela, também foi constatado na ação que as crianças que dizem saber escrever, na verdade, desenham a letra e não sabem o que escreveram”. Para ela, isso confirma a necessidade de implantação de políticas públicas para atender estas demandas e outras.
A audiência contou ainda com participação da Auditora-Fiscal do Trabalho do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanada, Deuzinéia Nogueira da Silva. A diretora do Sinait, Francimary Michiles, e o Auditor-Fiscal Alex Myller acompanham a audiência.
Veja aqui depoimento do senador Paulo Paim sobre a Portaria 1.129/2017.
Fonte: Sinait
17.10.17
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