Representante do Sinait em audiência pública no Senado Federal nesta terça-feira, 3 de outubro, a Auditora-Fiscal do Trabalho Katleem Lima pediu o arquivamento do Projeto de Lei do Senado – PLS 231/2015, do senador Valdir Raupp (PMDB/RO), que altera o art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA a fim de acabar com a necessidade de autorização judicial para que adolescentes entre 14 e 18 anos trabalhem como artistas ou esportistas, exigindo a autorização dos pais apenas. No caso dos menores de 14 anos, o acompanhamento dos responsáveis seria suficiente. Para essa faixa etária, a autorização judicial somente seria necessária quando não houvesse acompanhante.
O debate foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa – CDH, a partir da solicitação do Ministério do Trabalho, Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI, Ministério Público do Trabalho – MPT, Fundação Abrinq, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, Ministério do Desenvolvimento Social – MDS e Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Os órgãos conduzem um trabalho articulado pela rejeição da proposta, num entendimento unânime de que a matéria desrespeita a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e coloca em risco o desenvolvimento de crianças e adolescentes que trabalham no meio artístico. A audiência foi presidida pela relatora do PLS na CDH, Marta Suplicy (PMDB/SP).
Para a Auditora-Fiscal do Trabalho Katleem Lima, que é coordenadora do Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho de Goiás, é preciso reforçar que o trabalho infantil sempre é danoso para crianças e adolescentes. Ela aponta que o PLS, ao condicionar o trabalho infantil à autorização da família apenas, afasta do Estado o dever de proteção da infância e juventude, obrigação compartilhada entre este, sociedade e família, de acordo com a Constituição Federal. “Retirar do Estado o controle da fiscalização do trabalho infantil é acabar com a proteção que existe. O Estado deve prevenir o dano a crianças e adolescentes, e eles ficam expostos a riscos quando submetidos a trabalho.”
O Sinait entende ainda que o PLS desconsidera que há uma desigualdade entre a família do menor e a indústria do entretenimento, não tendo como os responsáveis legais pela criança ou adolescente enfrentarem eventuais abusos dos empregadores. Além disso, a matéria erra ao não caracterizar o trabalho artístico de menores, falando apenas em “participação artística”, sendo que de fato se estabelece uma relação de trabalho entre o artista infanto-juvenil e a empresa que utiliza seus serviços.
“Esses menores realmente trabalham, sujeitos às demandas da empresa. A tolerância ao trabalho infantil aponta a falência do Estado, da sociedade e da família, e permitir o trabalho infantil artístico sem regulamentação e sem a presença do Estado abre precedentes para que outras formas de trabalho infantil sejam autorizadas”, alertou Katleem.
Proteção integral e prioridade absoluta
Representando o Conanda e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil - Conaeti, a Auditora-Fiscal do Trabalho Marinalva Dantas reforçou a posição do Sinait pela rejeição do PLS. Ela lembrou que a Constituição proíbe totalmente o trabalho de menores de 16 anos. “São garantidas proteção integral e prioridade absoluta a crianças e adolescentes em razão de sua condição peculiar de desenvolvimento, e são deveres do Estado, da sociedade e da família. O PLS, ao colocar nas mãos da família a responsabilidade por autorizar o menor a trabalhar no meio artístico, ignora a responsabilidade compartilhada.”
O procurador do Trabalho Rafael Marques falou da posição institucional do MPT de defesa da regulamentação do trabalho infantil artístico, de acordo com os princípios de proteção da infância e juventude descritos na Constituição e nas normas internacionais ratificadas pelo país. Para ele, uma regulamentação deve levar em conta o interesse superior de crianças e adolescentes, a proteção integral a que têm direito e a prioridade absoluta de que gozam.
Marques explicou que o ECA também traz parâmetros a serem observados no caso do trabalho infantil artístico, que deve ser sempre visto como exceção, dependente de autorização judicial, que deverá fixar as atividades que serão permitidas e as condições. O aval do juiz precisa considerar a imprescindibilidade do trabalho do menor, garantias de que continuará a ter educação e acesso a atendimento de saúde, limites de jornada, observância de seus direitos trabalhistas e previdenciários, entre outros.
Pesquisadora da Universidade de São Paulo e especialista no tema, a doutora em saúde pública Sandra Cavalcante reforçou que a atividade artística de menores deve ser caracterizada como trabalho, ressaltando a complexidade do setor. “Crianças e adolescentes estão sujeitos a jornadas exaustivas de ensaios e gravações, riscos de acidentes, pressão psicológica tanto no ambiente de trabalho quanto no familiar, vaidades. É preciso dizer ainda que não é uma atividade de aprendizagem.”
Para ela, a Convenção 138 permite uma exceção, mas a autorização para este tipo de trabalho deve partir sempre da autoridade competente. “Exigir apenas o aval da família ignora que há um desequilíbrio entre as partes, ainda mais considerando-se que muitos pais desconhecem os direitos desses menores e as exigências legais para esse tipo de trabalho.”
Diretora do Departamento de Proteção Social Especial do MDS, Marina Neris lembrou que o país tem o compromisso de erradicar todas as formas de trabalho infantil, apontando que submeter crianças e adolescentes ao trabalho irregular pode ter consequências durante toda a vida deles. Para ela, o que o projeto chama de “participação artística” é de fato atividade laboral, dependente de autorização judicial para cada caso e ainda do respeito à impossibilidade de trabalho caso haja risco de prejuízo ao desenvolvimento biológico, psicológico e social da criança.
Também foi ouvida a representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – Abert, Alice Voronoff, única debatedora a defender o PLS, mesmo com as críticas severas que a matéria recebeu.
Mais debate
No fim da audiência, a senadora Marta Suplicy, que já havia se declarado favorável ao PLS, admitiu que o tema é mais complexo do que tinha analisado. Ela afirmou que ficou evidente que a participação artística de menores é trabalho de fato, e não uma manifestação artística livre. Resgatou ainda episódios de menores que passaram por situações de constrangimento quando no exercício de atividade laboral artística. A parlamentar também apontou a necessidade de um debate maior do tema e prometeu convocar mais uma audiência pública para instruir o PLS.
Fonte: Dâmares Vaz, do Sinait
4.10.17
Compartilhar:
0 comentários: